em 1994 realizei um sonho: o de conhecer a europa num giro
de 30 dias para conhecer todas as capitais que eu conseguisse. enquanto eu
fazia minha primeira tour, o pink floyd fazia a sua última e foi muito triste
eu não ter conseguido ver nenhum daqueles shows. cruzei com os cartazes deles
em londres, paris, barcelona, sempre tocando alguns dias antes ou depois de
minha passagem. naquela época, sem a ajuda da internet e ainda sem amigos
morando fora, não tive condições de planejar ver um show do division bell
durante a minha viagem. nunca me perdoei por isso... mas tive fortes
sentimentos de redenção vendo o roger waters' the wall e dark side of the moon,
em shows memoráveis no panetone de gotham city (aka morumbee).
quando david gilmour lançou o on an island, em 2006, eu estava
vivendo um momento pink floyd na vida, e esse álbum foi como uma renovação
floydiana. passei a acompanhar a carreira solo do gilmour e on an island talvez
tenha sido um dos discos que mais ouvi na vida! ainda assim, mais uma vez
amarguei não ter conseguido ver uma apresentação dessa tour... como se fosse
uma provocação, por causa do trabalho fui diversas vezes à europa em 2006,
chegava nas cidades e lá estavam os cartazes do gilmour, em turnê. tudo sempre
esgotado, impossível. – tem coisas que não são para ser… pensava eu sobre minha
história desencontrada com o pink floyd e o gilmour.
mas tal como maré, a minha sorte também mudou. dois mil
& crise chegando ao fim, o brasil se afundando num mar de lama e eu
tentando me agarrar àquelas esperanças que dormem no fundo da caixa de pandora.
talvez esse seja o segredo: não deixar de acreditar que coisas boas podem
acontecer.
há um ano inauguramos o novo estádio do palestra itália com o
ilustre show de sir paul maccartney. nunca me senti tão honrada e mal poderia
eu saber que este era apenas o primeiro de muitos momentos memoráveis naquela
arena. meio por acaso passei a ser moradora da vila romana, bairro vizinho de
onde está o “allianz park”, novo nome pomposo de um lugar que conheço como a
palma da mão desde o início dos anos 90, quando o chamávamos de parque
antártica. além de ser minha arquibancada preferida para ver os embates do meu
amado time, foi naquele gramado que se iniciou minha história com shows
grandiosos – david bowie, iron maiden, ozzy osbourne, metallica… sempre achei
um luxo o “meu” estádio receber em seu jardim suspenso essa gente maravilhosa e
seus concertos inesquecíveis. e como se isso não fosse o bastante, agora
morando pertinho dá para sair do jogo ou do show e voltar para casa a pé…
pois assim seguiu a glória na nova arena em 2015: amigos
avantis me levaram a ver muitos jogos, o que me levou a fazer as pazes com o
futebol. como prêmio do destino pelo bom comportamento, meu time, dentro de
casa, sagrou-se o maior campeão do futebol brasileiro. e para fechar o ano com
chave de ouro, mr. david gilmour anuncia que sua primeira turnê na américa
latina será iniciada onde? exatamente: na arena mais encantada do planeta!
ingressos caros e mesmo assim esgotados, fudeu. mas calma,
não se desespere! volta o destino com seus presentinhos especiais – tem show
extra! na verdade, um dia antes. e assim, na última hora, ingresso de
sexta-feira na mão, o mais barato. não faz mal, já sei que vai ser um show
perfeitamente lindo de se ver da arquibancada. e mais uma vez por acaso, o
privilégio de ver david gilmour pela primeira vez enquanto ele também nos via
pela primeira vez – nós, brasileiros, palestrinos, latinoamericanos… nós, que
não tínhamos ideia de que isso tudo ainda era possível. será que ele sentiu
também aquela emoção toda? ah, que tolice, é claro que ele sentiu.
gilmour foi super simpático nas entrevistas que deu à
imprensa brasileira. disse que há muito tempo gostaria de ter vindo ao brasil e
que também acredita em coincidências e no tempo certo das coisas. o saxofonista
da banda, brasileiro por acaso, respondia à perguntas em português, enquanto
era observado com sorrisos curiosos por gilmour e a esposa. disse que nada foi
planejado, apenas aconteceu. pois é, o brasil ainda encanta e a língua
portuguesa ainda tem o seu borogodó. como diz minha mãe, talvez a gente tenha
mais sorte que juízo!
eu, certamente, tenho muita sorte. assisti do alto e com
conforto àquele show de luzes que era um show à parte. cheguei cedo para dar
uma volta pelo estádio, estudar um bom lugar para ficar. escolhi bem. observei,
mais uma vez, a minha sorte em estar ali sentadinha nas cadeiras superiores, enquanto
via as pessoas se espremerem na pista. falei mal da cerveja de 10 irreais, mas
curti o copinho com a data do show. cheap trick. calibrei a ansiedade e assisti
a tudo acontecer muito de repente… as luzes se apagaram e dali pra frente era
difícil não olhar mais apenas para o centro do palco. sob o telão redondo e
pinkfloydiano, o iluminado acerta no meio do nosso peito aquelas primeiras notas
que só existem na guitarra dele.
5 am, rattle that lock, faces of stone e bang! aquelas
primeiras notas de violão que todo mundo sabe mas só ele consegue tocar. wish
you were here. desejei tanto. e eis que o desejo está ali, tão real que parece
um sonho. lágrimas por todos os lados, ele sabe, está preparando as velas… a
boat lies waiting, the blue… estamos navegando no oceano particular de david
gilmour… o vento está a favor. e para aproveitar a maré favorável o telão se
enche de moedas mas… os tempos andam meio bicudos. algo sai errado, eles tentam
de novo e de novo até dar certo e esse é então mais um daqueles momentos
memoráveis da vida… david gilmour e sua banda excelente tocando money, aquela
sonzera, as pessoas em estado de graça. mas as coisas ficam ainda mais sérias
quando eles emendam em us and them… ambas as canções tiveram seus vídeos
originais exibidos no telão, como se aquilo fosse um convite para viajarmos com
ele na nossa própria história, tão antiga e tão atual como o pink floyd… como
podiam aqueles caras, tão garotos, saberem daquilo tudo? pois nós e eles
estávamos ali agora, e a catarse era coletiva e inevitável. in any tongue &
high hopes trazem com elas as lembranças de division bell. as luzes, as imagens
e os solos de gilmour em harmonia com a emoção à flor da pele de quem estava
ali… final do primeiro ato.
um intervalinho para respirar e reabastecer, foi como num
piscar de olhos que as luzes se apagaram novamente e fomos lançados ao espaço. gilmour
volta para o centro do palco com astronomy domine e sob um céu estrelado, de
noite de verão e emenda em shine on you crazy diamond, cantada em uníssono por
todos os presentes. que riqueza! diamantes realmente são eternos e fat old sun
dá seguimento ao bloco floydiano que aterrisa com segurança nas canções de
gilmour que eu tanto gosto. e foi assim com muito feeling que ele apresentou on
an island, uma de minhas músicas preferidas. mas antes que eu ficasse muito
emocionada, de maneira brilhante, a execução de girl in a yellow dress joga o
astral do show lá pra cima e prepara os ânimos para today, sorrow e run like
hell. como assim acabou? não, não acabou, ainda tem mais pink floyd no bis, com
time, breathe e confortably numb.
the child's grown the dream's gone and I have become
comfortably numb.
Setlist David Gilmour, Allianz Parque Antártica, SP 11 de novembro de 2015
Set 1:
5 A.M.
Play Video
Rattle That Lock
Faces of Stone
Wish You Were Here
A Boat Lies Waiting
The Blue
Money
Us and Them
In Any Tongue
High Hopes
Set 2:
Astronomy Domine
Shine On You Crazy Diamond (Parts I-V)
Fat Old Sun
On an Island
The Girl in the Yellow Dress
Today
Sorrow
Run Like Hell
Encore:
Time
Breathe (Reprise)
Comfortably Numb