segunda-feira, 2 de abril de 2012

Paranóicos na parede




The Wall é um disco tenso. Uma sinfonia de detalhes bélicos, antisemitas. A transformação a olhos vistos, que toca todos os sentidos, da beleza estranhamente natural das coisas. Na parede estão a brutalidade da natureza, de nossa própria natureza, a de nossos pais, de nossa mãe que vê televisão. Na parede estão os símbolos que se confundem com mensagens de paz, de glamour, de riqueza, de salvação que caem do céu. Aqueles garotos construíram a parede e depois a derrubaram muito antes que ela pudesse cair. Sem saber, já falavam sobre o que ia ser.

Sem saber o quão intensa seria a viagem do espetáculo, assisti ao show arrepiada do primeiro acorde ao último aplauso. Não me lembrava mais que sabia as músicas todas, guardadas num espaço da memória pouco visitado. Assistir ao concerto do The Wall é como ver encenado um livro importante lido na vida. E reconhecer cenas, versos, palavras que não dissemos a pessoas que não estavam lá.

Há uma elegância estranha e respeitosa nas fardas.





corri pelo corredor enquanto ouvia a multidão gritar. entrei em campo repreendida por correr na rampa, saí buscando o gramado como o jogador inabalável que sai do túnel para a final inadiável. as luzes se apagaram e todo o resto ficou em silêncio, à espera da guerra começar, sentindo na própria pele o tempo chegar.

in the flesh?


 
What Shall We Do Now?
What shall we do to fill the empty spaces?
Where waves of hunger roar
Shall we set out across the sea of faces?
In search of more and more applause
Shall we buy a new guitar?
Shall we drive a more powerful car?
Shall we work straight through the night?
Shall we get into fights?
Leave the lights on
Drop bombs
Do tours of the east
Contract diseases
Bury bones
Break up homes
Send flowers by phone
Take to drink
Go to shrinks
Give up meat
Rarely sleep
Keep people as pets
Train dogs
Race rats
Fill the attic with cash
Bury treasure
Store up leisure
But never relax at all
With our backs to the wall


penso em cores, em amores, em emoções seduzidas, em lutas, derrotas, deserção. vejo os gritos em tons frios, mas sinto o gosto acre queimando minha língua com o grito que sai da minha boca em cores vivas. palavras à esmo que dizemos sem sentido uma vez, para talvez fazer sentido de outra vez. não sei mesmo o que fazer. e por via das dúvidas, faço tudo errado.

what shall we do now?



Goodbye cruel world
I'm leaving you today
Goodbye
Goodbye
Goodbye
Goodbye all you people
There's nothing you can say
To make me change
My mind
Goodbye.


o mundo é cruel e somos todos seres sem dignidade na hora da morte e na hora da dor. tenho vontade de dizer mil vezes adeus, mas nesta noite digo mais olás. a lua sorri como o gato. é outro tempo, outra estação. eu não mudo, nada muda. é dia, é noite, é mentira. adeus, estou em outro mundo.

goodbye cruel world.



Pink isn't well he stayed back at the hotel
And they sent us along as a surrogate band
And we're going to find out where you fans
Really stand
Are there any queers in the theatre tonight?
Get 'em up against the wall
That one looks Jewish
And that one's a coon
Who let all this riff raff into the room?
There's one smoking a joint and
Another with spots
If I had my way
I'd have all of you shot


vejo o porco e ele não é rosa. ele tem dentes. ele não funciona.
o porco está ferido. sua pele, pururuca à flor da pele.

in the flesh
 


Run, run, run, run
You better make your face up in
Your favorite disguise
With your button down lips and your
Roller blind eyes
With your empty smile
And your hungry heart
Feel the bile rising from your guilty past
With your nerves in tatters
When the cockleshell shatters
And the hammers batter
Down the door
You better run

Run, run, run, run
You better run all day
And run all night
And keep your dirty feelings
Deep inside.
And if you’re takin' your girlfriend
Out tonight
You better park the car
Well out of sight
'Cos if they catch you in the back seat
Trying to pick her locks
They're gonna send you back to mother
In a cardboard box
You better run


sinto-me paranoica. temo tudo. estou só. não é um pesadelo, mas não é um sono leve. não acordo suave, acordo cansada, atrasada, tenho que correr, corro como o diabo. não esta noite. não mais. nesta noite o porco corre. pro inferno com o porco que morre longe de mim. antes ele do que eu. eu continuo a correr.

run like hell 


is there anybody out there?
Can you show me where it hurts?


Outside The Wall
All alone, or in twos
The ones who really love you
Walk up and down outside the wall
Some hand in hand
Some gathering together in bands
The bleeding hearts and the artists
Make their stand
And when they've given you their all
Some stagger and fall after all it's not easy
Banging your heart against some mad buggers
Wall

domingo, 18 de março de 2012

Masada masala


Se eu fosse escrever algo preciso sobre o show acachapante de John Zorn e seu projeto Masada no Cine Joia no último sábado, usaria as palavras de em sua coluna no Suppaduppa.

Independente do quão fabuloso o show tenha sido, Zorn foi chato com relação à produção. Chegou ao Cine Joia reclamando, mandou fechar o bar central pouco antes do show começar porque a luz atrapalhava, mandou que os seguranças 'gentilmente' avisassem que as pessoas parassem de fotografar o show senão ele iria embora... achei estranho.

Vi Zorn pela primeira vez em 2000 num teatro pequeno do Soho, em NY. Conhecia algumas experimentações do músico judeu por causa de suas colaborações com Mike Patton que meu amigo Keco, pirado por música estranha, colecionava... E como eu também gosto de música estranha, Zorn entrou no meu playlist desde então. Quando o jazz fica free demais, confesso que me sinto no desenho do Tom & Jerry e não acompanho bem... mas quando os compassos acertam com o meu timing, hmmmm, me acerta a veia e fico hipnotizada.

Em 2000, o caixa do teatro Tonic não queria me deixar entrar porque o show já tinha mais de meia hora de começado. E eu, em férias e sem relógio, perguntava "Mas por que não posso entrar? Quero ver mesmo que seja o fim." e o simpático da bilheteria me olhava com uma pena irritante e perguntava "Really? You sure?" e depois de ponderar mais um minuto me liberou a entrada sem cobrança "Ok, go on. I won't charge you to watch this." hahahaha. Eu entrei e vi, logo de cara, no pequeno palco do teatro, uns 12 músicos amontoados se espremendo. Minha primeira impressão foi a de que cada um tocava uma música diferente. Demorei para ajustar as orelhas, como fazem os cães e os gatos, mas de repente, bang! todo mundo se encontrou e um compasso acertou a minha veia. Hipnotizei. Era uma sinfonia e Zorn, cabeludo na época, era o regente ensandecido na ponta do palco. Foi um momento bem especial que celebrei comigo mesma... Era a minha primeira vez em NY sozinha, eu tinha 25 anos e nunca acertava a saída certa do metrô, mas naquele outono eu conheci todos os museus, clubes e teatros do Soho que eu achava bacana e listava na TimeOut. Esse show do Zorn foi um desses achados e agradeci mentalmente a meu amigo Keco por ter me mostrado aquela esquisitice e aquilo ter me guiado na programação da TimeOut daquela semana.

No final daquele show em NY, um Zorn bem simpático desceu do palco e ficou conversando com as pessoas da platéia. Quando já não tinha quase ninguém eu me aproximei dele, contei que era do Brasil, falei que o conhecia por causa do Patton e do Keco, ele sorriu e perguntei se poderia tirar uma foto para registrar o momento e dar de presente ao Keco, que iria morrer de catapora. "Sorry miss. I don't do pictures." ele me respondeu meio sem jeito. Tudo bem, 'magina, só aquela conversa já me valia a pena. Então o judeu tímido deu uma olhada ao redor, viu que não tinha quase ninguém e me pegou olhando de volta pra ele. "Okey miss. A quick one then". E fizemos a foto. Ficou ótima. Vou ver se consigo resgatá-la com o Keco.

Mas ontem, no Cine Joia, eu gostaria de ter tido a oportunidade de perguntar ao Zorn o porquê de tanta hostilidade com as câmeras agora, afinal são registros de quem gosta do trabalho dele. Hoje li na resenha da coluna citada acima que John Zorn criou os números do Masala como uma reverência à cultura e à religião judaica, e considera filmagem e fotos não autorizados durante a apresentação ofensivos.

Bom, peço desculpas ao Zorn, não sabia de seus motivos, mas gosto de registrar esses momentos, de modo que fotografei e gravei o que pude do show do Masala no Cine Joia. Não posso dizer que sou fan, mas conheço algumas e admiro muitas de suas obras. Tive o privilégio, inclusive, de conhecer a exposição 'Aleph-Bet Sound Project' no Contemporary Jewish Museum de São Francisco, e fiquei algumas horas dentro daquele museu para ouvir as contribuições de Lou Reed, David Greenberger e Laurie Anderson... Se eu não o tivesse fotografado em 2000 nem registrado a exposição de 2009, não sei se me lembraria de tudo com tantos detalhes hoje.

Contemporary Jewish Museum de São Francisco


A extensão do museu que abriga a sala de audição, vista da rua

A interpretação sonora do alfabeto hebreu


Programação das execuções da obra

O interior da magnifica sala de audição

segunda-feira, 12 de março de 2012

Morrissey estava triste

Morrissey usou amarelo no Espaço das Américas, SP, 11/3/2012
São Paulo, domingo à noite. As chuvas de março fechando o verão e atrapalhando o trânsito. Uma multidão de gente molhada agora sua num lugar fechado, escuro, cheio e quente como o inferno. Será que esqueceram de ligar o ar condicionado? O palco está lá no fundo, absolutamente bloqueado por uma parede humana e mal se pode enxergar o que acontece lá - por que as pessoas têm que ser tão altas?

Uma dose de uísque decente custa 23 reais e tem que ser pedida a um homem, pois as mulheres não tem o talento romântico dos homens para ser barman e servem uma dose milimétrica. Mas só tive sucesso na segunda dose. Uísque é uma bebida curiosa, serve de calmante para a ansiedade, mas alimenta a vontade da gente se mover em alta velocidade.

Morrissey entra no palco vestindo amarelo, enquanto todos o esperavam de vermelho. Amarelo é a cor da prosperidade? Não consigo lembrar... meus novos amigos também não. Não importa. Ele está triste. E canta todas as suas canções absurdas com aquela ruga na testa que só se desfaz de vez em quando, quando ele fala de amor, gratidão e coisas boas. São momentos raros, drops de esperança no seu universo dilacerante das coisas que nos fazem sofrer. E a ruga na testa volta rapidamente e fica ainda mais dramática quando ele fala de coisas como o ódio - e é possível ver o ódio tomar conta de sua voz quando ele diz palavras como MURDER, com todos os erres bem marcados entre os dentes.

O ódio dele não dura. Ele é elegante e sentimentos como raiva, ódio e rancor são destilados nos seus versos bem escritos de poeta que sabe ler o mundo. Versos tão bonitos sobre coisas tão feias...

Foi Morrissey quem me apresentou os Smiths e não o contrário. Mas essa ordem de mangá, eu acho, me deixa mais à vontade para esperar de um show ou um disco dele nada mais do que ele sabe fazer de melhor - cantar os tormentos da sua alma, à sua maneira elegante, lasciva e enlouquecida, como se mais ninguém estivesse vendo. E ninguém se importa. As pessoas só querem cantar. E em diversos momentos achei que ele percebeu quanto amor aquelas pessoas têm por ele. Nesses momentos, eu acho, ele ficou feliz.

Eu fiquei.

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Morrissey - Espaço das Américas, SP - 11/3/2012 - Setlist:
First Of The Gang To Die
You Have Killed Me
Black Cloud
When Last I Spoke To Carol
Alma Matters
Still Ill
Everyday Is Like Sunday
Speedway
You're The One For Me, Fatty
I Will See You In Far-Off Places
Meat Is Murder
Ouija Board, Ouija Board
I Know It's Over
Let Me Kiss You
There Is A Light That Never Goes Out
I'm Throwing My Arms Around Paris
Please, Please, Please Let Me Get What I Want
How Soon Is Now?
Bis
One Day Goodbye Will Be Farewell