domingo, 18 de março de 2012

Masada masala


Se eu fosse escrever algo preciso sobre o show acachapante de John Zorn e seu projeto Masada no Cine Joia no último sábado, usaria as palavras de em sua coluna no Suppaduppa.

Independente do quão fabuloso o show tenha sido, Zorn foi chato com relação à produção. Chegou ao Cine Joia reclamando, mandou fechar o bar central pouco antes do show começar porque a luz atrapalhava, mandou que os seguranças 'gentilmente' avisassem que as pessoas parassem de fotografar o show senão ele iria embora... achei estranho.

Vi Zorn pela primeira vez em 2000 num teatro pequeno do Soho, em NY. Conhecia algumas experimentações do músico judeu por causa de suas colaborações com Mike Patton que meu amigo Keco, pirado por música estranha, colecionava... E como eu também gosto de música estranha, Zorn entrou no meu playlist desde então. Quando o jazz fica free demais, confesso que me sinto no desenho do Tom & Jerry e não acompanho bem... mas quando os compassos acertam com o meu timing, hmmmm, me acerta a veia e fico hipnotizada.

Em 2000, o caixa do teatro Tonic não queria me deixar entrar porque o show já tinha mais de meia hora de começado. E eu, em férias e sem relógio, perguntava "Mas por que não posso entrar? Quero ver mesmo que seja o fim." e o simpático da bilheteria me olhava com uma pena irritante e perguntava "Really? You sure?" e depois de ponderar mais um minuto me liberou a entrada sem cobrança "Ok, go on. I won't charge you to watch this." hahahaha. Eu entrei e vi, logo de cara, no pequeno palco do teatro, uns 12 músicos amontoados se espremendo. Minha primeira impressão foi a de que cada um tocava uma música diferente. Demorei para ajustar as orelhas, como fazem os cães e os gatos, mas de repente, bang! todo mundo se encontrou e um compasso acertou a minha veia. Hipnotizei. Era uma sinfonia e Zorn, cabeludo na época, era o regente ensandecido na ponta do palco. Foi um momento bem especial que celebrei comigo mesma... Era a minha primeira vez em NY sozinha, eu tinha 25 anos e nunca acertava a saída certa do metrô, mas naquele outono eu conheci todos os museus, clubes e teatros do Soho que eu achava bacana e listava na TimeOut. Esse show do Zorn foi um desses achados e agradeci mentalmente a meu amigo Keco por ter me mostrado aquela esquisitice e aquilo ter me guiado na programação da TimeOut daquela semana.

No final daquele show em NY, um Zorn bem simpático desceu do palco e ficou conversando com as pessoas da platéia. Quando já não tinha quase ninguém eu me aproximei dele, contei que era do Brasil, falei que o conhecia por causa do Patton e do Keco, ele sorriu e perguntei se poderia tirar uma foto para registrar o momento e dar de presente ao Keco, que iria morrer de catapora. "Sorry miss. I don't do pictures." ele me respondeu meio sem jeito. Tudo bem, 'magina, só aquela conversa já me valia a pena. Então o judeu tímido deu uma olhada ao redor, viu que não tinha quase ninguém e me pegou olhando de volta pra ele. "Okey miss. A quick one then". E fizemos a foto. Ficou ótima. Vou ver se consigo resgatá-la com o Keco.

Mas ontem, no Cine Joia, eu gostaria de ter tido a oportunidade de perguntar ao Zorn o porquê de tanta hostilidade com as câmeras agora, afinal são registros de quem gosta do trabalho dele. Hoje li na resenha da coluna citada acima que John Zorn criou os números do Masala como uma reverência à cultura e à religião judaica, e considera filmagem e fotos não autorizados durante a apresentação ofensivos.

Bom, peço desculpas ao Zorn, não sabia de seus motivos, mas gosto de registrar esses momentos, de modo que fotografei e gravei o que pude do show do Masala no Cine Joia. Não posso dizer que sou fan, mas conheço algumas e admiro muitas de suas obras. Tive o privilégio, inclusive, de conhecer a exposição 'Aleph-Bet Sound Project' no Contemporary Jewish Museum de São Francisco, e fiquei algumas horas dentro daquele museu para ouvir as contribuições de Lou Reed, David Greenberger e Laurie Anderson... Se eu não o tivesse fotografado em 2000 nem registrado a exposição de 2009, não sei se me lembraria de tudo com tantos detalhes hoje.

Contemporary Jewish Museum de São Francisco


A extensão do museu que abriga a sala de audição, vista da rua

A interpretação sonora do alfabeto hebreu


Programação das execuções da obra

O interior da magnifica sala de audição

A formação do quarteto que se apresentou no Cine Joia neste sábado era absolutamente fantástica e 'simples'. Greg Cohen no baixo, Dave Douglas no trompete e o monstro Joey Baron na bateria. Foi a primeira vez que vi Baron e fiquei apaixonada. Suas passagens cheias de energia na cozinha com Greg Cohen e sua delicadeza com as vassouras são únicas. É o único músico no palco que não lê partituras. Suponho que elas já estejam todas na sua cabeça e sua velocidade dos braços talvez seja um pouco além do que os olhos humanos conseguem acompanhar numa partitura. Vai ver que é por isso que ele sorri tanto enquanto toca.

Depois de ser educadamente abordada pelo segurança do Cine Joia - "moça, me desculpe, mas ele disse que se as pessoas não pararem de fotografar ele vai parar o show" - imediatamente me desculpei e desliguei minha câmera. A três passos de mim, colado ao palco, um outro mané ouviu a mesma advertência, mas não levou o aviso à sério. Zorn deu uma cusparada bem séria na cara dele, que se retirou de cena pouco depois. Argh!

Assisti ao final do show do mezanino, de onde filmei sentada e confortável, mais duas músicas. Não sabia dos motivos do Zorn para combater os registros dos shows. Mais uma vez me desculpo, mas do mesmo modo respeitoso com o qual pedi que posasse para uma foto comigo, gravei as cenas do seu show Masala para poder guardar o momento especial e compartilhá-lo com quem aprecia seu trabalho.

Shalom e namastê, Zorn! Masala na Índia significa mistura e eu sempre falo errado o nome deste seu projeto - digo masala ao invés de masada. - Para mim faz sentido.









Bilheteria simpática




Bilheteria antipática










O palco pronto

O bar que servia heineken e suco de oxicoco. E que depois Zorn mandou fechar





















Gotham City vista do fumódromo joia
O palco visto do mezanino
Preciosidades do Cine Joia

 O fumódromo



Cartaz do Masada projetado no palco



Joey Baron, Dave Douglas, Greg Cohen e John Zorn
Dave Douglas

John Zorn




Greg Cohen e seu lindo baixo



O sorridente Joey Baron



Estranhos encontros previsíveis da noite.



Livre para fotografar



Cine Joia, vá de metrô!


Vídeos do show, gravados pelo iphone proibido:

John Zorn's Masada @ Cine Joia 1

John Zorn's Masada @ Cine Joia 2

 
John Zorn's Masada @ Cine Joia 3


2 comentários:

Laert disse...

Pôxa, estou com saudade dos meus safaris culturais pela paulicéia. Esse show não poderia acontecer em outro lugar no Brasil. Tal qual a cidade, o som de Zorn (que eu conheci agora por sua causa) me causou estranheza no primeiro momento mas se revelou extremamente rico logo em seguida.
Todo ano, por pelo menos 10 dias, pego meu avião e vou tomar um banho de referências (esquizofrências ou não) por essas bandas (nos dois sentidos).
Muito massa. Keep writing.

Marcos Jr disse...

Excelente texto Mona.E agora, por tudo que vc se escreveu, me arrependi de não ter ido.
Estranho apenas essa história do mau humor com as fotos e filmagens ser justificada por "questões da Cultura e religiões Judaicas" Em todo caso, como não conheço do assunto... Acho que o cara estava mesmo injuriado com o trânsito paulistano, rss