Viajando de uma costa a outra dos EUA, tive o prazer de assistir no espaco de uma semana a tres grandes shows de rock n'roll em diferentes niveis: em Seattle, como show de abertura, vi Ben Harper e Relentless 7, num show curto, mas muito preciso; na mesma noite, vi Pearl Jam fazendo o kick off oficial da turne de seu novo disco "Backspacer"; e em Nova York, ou melhor, em New Jersey, vi o U2 e seu show "espacial" quebrar o recorde de lotacao do Giants Stadium.
Foi de fato uma semana inesquecivel. O curioso eh que minha expectativa em relacao aos shows foi completamente atropelada diante da performance das bandas em questao.
Eu estava numa ansiedade doida para ver o Ben Harper. O disco "White lies for dark times" esta praticamente furado no meu CD player de tanto que ja foi ouvido. Na minha humilde opiniao, eh o melhor album de BH. Mas ele estava timido no Key Arena, o som nao estava tao bom e talvez as musicas escolhidas nao tenham sido as melhores para um show de abertura - foram apenas 7 cancoes, todas do disco novo e executadas de forma seca, sem muita interacao com o publico. Ainda assim foi um belo show. Sua figura carismatica e seu modo virtuoso de cantar dispensam frescuras no palco e a banda que lhe acompanha eh descomplicada e eficiente, como toda banda de apoio deveria ser - os Relentless 7 sao apenas 3 musicos, embora soem mesmo como 7. E como shows de abertura costumam mesmo ser apresentacoes menores, acho que minha expectativa eh que estava exagerada.
O show do Pearl Jam, por outro lado, foi um demolidor de muralhas. Eu ja os tinha visto no Brasil, no Pacaembu, em 2006, e tinha ficado chapada com a energia da banda. Pelo que eu havia ouvido de "Backspacer", um disco um pouco mais lento do que os anteriores, minha expectativa era de que este seria um show mais "maduro" ou talvez menos nervoso. Ledo engano. Ha mais energia no palco do Pearl Jam do que numa usina nuclear. Eddie Vedder toma vinho como quem toma agua durante o show e sua performance de palco eh enlouquecedora. O excesso de vinho nao prejudica em nada sua voz, que continua unica e linda. A banda toda, alias, segue mais afinada do que nunca e as guitarras, que continuam bem nervosas em "Backspacer", fizeram meus ouvidos sairem zunindo do Key Arena.
O palco do PJ eh simples. A iluminacao eh caprichada, mas sem grandes requintes. O que faz o show grandioso mesmo eh a banda, que continua tocando como se todos ainda tivessem 20 anos de idade, de maneira enfurecida. Rock n'roll em estado bruto.
Na contra-mao da simplicidade do PJ e BH, encerrei a semana vendo o U2 em seu sofisticado palco 360 graus no Giants Stadium. Foi um espetaculo sensacional - um roteiro milimetricamente calculado de 2 horas de musica de altissima qualidade, com efeitos caprichados no telao de alta definicao e pirotecnias de palco bem especiais. Claramente um show para fans do U2 e que tenham gostado muito de "No line on the horizon". O palco em formato de espaconave eh realmente impressionante e embarcamos facilmente na viagem com eles.
Mas apesar de toda engenharia de som e imagem, o show do U2 nao chega aos pes do show do Pearl Jam e eu fico me perguntando por que sera?
Continuo gostando muito de U2. Acho que "No line on the horizon", mesmo nao sendo tao bacana como "All that you cant leave behind" nem tao poderoso como "How to dismantle an atomic bomb", eh um excelente disco. Mas alguma coisa de essencial na musica do U2 se perdeu no meio daquele palco gigantesco. O som estava impecavel, mas a pegada rock n'roll que tinha de sobra no show do Pearl Jam estava em falta no show do U2.
No fim das contas, minha conclusao eh a de que nao nao ha tecnica nem tecnologia capazes de bater um acorde nervoso que venha do fundo da alma. Um show inesquecivel depende muito menos do espetaculo ao seu redor do que da quimica entre os musicos que se apresentam no palco. E a quimica estava perfeita entre os meninos do PJ, mas um pouco difusa entre as grandes estrelas do U2.
Implicancias a parte, encerro esta semana com uma unica certeza: Ben Harper, Pearl Jam e U2 fazem musica de primeira qualidade. Sao performances imperdiveis de serem vistas ao vivo. Precisamos torcer para que voltem ao Brasil, tao carente de shows grandiosos como esses. Cada um em seu nivel. Todos engajados com suas causas sociais. E todos igualmente eficientes em mostrar que ainda existe rock n'roll pulsando nas veias de quem esta naquele palco, rock n'roll capaz de fazer pulsarem as veias de quem esta na plateia daqueles shows.
Nao devemos nos contentar com pouco, nao. Mas quando o "pouco" em questao eh um show simples de abertura do Ben Harper ou ainda um show do U2 que nao eh tao incrivel quanto seus shows anteriores, este "pouco" eh absolutamente aceitavel. Afinal, nao eh todo dia que se pode ver Pearl Jam inaugurando turne em sua terra natal. Luxo para poucos. Ou como diria meu amigo Regis - privilegio de quem merece :-)
domingo, 27 de setembro de 2009
Moment of surrender
U2 no palco-espaçonave aterrissado no Giants Stadium - New Jersey, 23/9/2009 |
As turnes do "Coracao" e "Vertigo", que apresentavam respectivamente "All that you cant leave behind" e "How to dismantle an atomic bomb" tinham palcos menores e um pouco mais intimistas. Os setlists tambem pareciam mais poderosos, com cancoes mais rock n'roll do que agora.
Parece inegavel tambem que Bono - principalmente ele - nao tem mais a mesma energia de antes no palco. O tamanho gigantesco da "estrutura espacial" do palco novo parece mesmo um desafio para a banda. Eles inevitavelmente ficam mais separados e, para dar conta de se comunicar com o publico que esta por todos os lados, tem que percorrer o palco inteiro, o que significa cruzar as pontes e dar a volta completa no anel exterior, o que parece ser exaustivo.
Mas seria mesmo pouco classificar um show desse porte apenas como "show". O que o U2 apresentou nessas duas noites novaiorquinas foi na verdade um espetaculo que vai muito alem da musica. Alem do palco gigante, com a plataforma central - onde esta a bateria de Larry Mullen Jr - que gira, os teloes de altissima definicao transmitem imagens feitas a partir de uma estacao espacial. Os efeitos de palco sao realmente de tirar o folego.
E eh mesmo o "espaco" o tema central do show. A musica de abertura (o U2 sempre escolhe uma musica de outra banda para fazer a abertura de seus shows) eh Space Oddity, de David Bowie, o que cria um tremendo clima para o inicio. E a musica de encerramento, nao menos classica, eh Rocket Man, em sua versao original de Elton John.
A noite de 23 de setembro, alias, foi uma noite de homenagens. Na sexta cancao do show, Bono arranca gritos da plateia de New Jersey ao lembrar que eh dia do aniversario de Bruce Springsteen e dedica ao "the boss" uma improvisada versao de "She's the one", que a banda nao da conta de terminar, emendando em "Desire". Mas a homenagem eh sincera e Bono se desculpa pela improvisacao e diz com muito respeito que Bruce esta fazendo 60 anos e que por isso a noite eh ainda mais especial.
Elevation eh a musica que da continuidade ao show e parece que ele finalmente vai decolar, mas... nao decola. As musicas parecem estar mais lentas e o publico nao responde com muita energia. Uma versao disco de "I'll go crazy if I dont go crazy tonight" deixa ainda mais claro que este nao eh um show do U2 com a mesma forca e vitalidade de anos anteriores.
Bono continua querendo salvar o mundo. Fala da Africa e das 3,5 milhoes de criancas salvas no mundo gracas a imunizacao em "One", convida dezenas de voluntarios a usarem uma mascara com o rosto de Aung San Suu Kyi (lider eleita de Burma, que nunca pode assumir sua posicao) em "Walk on" e ainda percorre o palco de maos dadas com um garotinho em "Where the streets have no name". A megalomania ja vista outrora no palco de Pop Mart, cede espaco agora para algo nao menos grandioso, mas um pouco mais real, embora a banda lance mao ainda de efeitos pirotecnicos na roupa e nos equipamentos (Bono usa uma jaqueta com leds e canta num microfone iluminado em "Ultraviolet").
Exagerado, magalomaniaco, mais lento do que se esperava. Nada disso, porem, fez do show do U2 no Giants Stadium um espetaculo dispensavel de se ver. Eh de fato uma das maiores bandas do mundo. E contra fatos nao ha argumentos - o show de 24 de setembro quebrou um recorde de mais de 84.000 pessoas no Giants Stadium, recorde este que pertencia ao Papa Joao Paulo II em sua visita de 1995. Nao deve ser coincidencia a banda encerrar o show com "Moment of surrender".
(texto escrito originalmente sem acentos)
(texto escrito originalmente sem acentos)
Skin thin
Eu sou mesmo uma pessoa de muita sorte. So alguem com muita sorte ja viu tres shows de Ben Harper em diferentes lugares, com diferentes bandas e diferentes vibes.
Nao bastasse ser apenas carismatico e talentoso, ele ainda consegue escolher bandas como ninguem. Os Relentless 7, que o acompanham no momento, sao apenas 3, mas valem mesmo por 7.
Tive o privilegio de ver Ben Harper e os Relentless 7 fazendo o show de abertura para o Peal Jam no Key Arena, em Seattle, no ultimo dia 21 de setembro. Nao foi o melhor show que eu vi dele. O primeiro que vi, no Via Funchal em 2007, foi o melhor. Na ocasiao a banda era outra e o setlist era longo e arrasador. A abertura com "With my own two hands" parecia, na verdade, um bis, tanta era a energia que ele emanava do palco e o publico, ja em extase, respondia.
Dessa vez, porem, BH fez apenas um show de abertura. Teve pouca interacao com o publico - que claramente estava la para ver o Pearl Jam - e executou suas cancoes com muita eficiencia, mas de forma um pouco seca e rispida.
Foram todas cancoes de "White lies for dark times", disco que eu penso ser o melhor dele. Pelo menos eh o mais rock n'roll de todos, com cancoes nervosas e outras doces, mas profundas, cheias de sentimento.
No show a ordem das cancoes escolhidas talvez tenha ficado um pouco confusa e o unico momento que me pareceu grandioso foi o de "Fly one time".
Ainda assim, reconheco, BH e os R7 sao incriveis. E se esse show nao provocou em mim toda a emocao que eu esperava, tambem nao me desapontou a ponto de me fazer deixar de lado meu disco preferido do momento.
Fucando no site - lindo, por sinal -, descobri que o disco foi lancado no dia do meu aniversario. Parece bobagem, mas causou um arrepio em minha "pele fina".
Ben Harper & Relentless 7 tocam "Boots like this" na abertura para o show do Pearl Jam no Key Arena, em Seattle. Uma pena que não rolou uma palhinha depois. 21/9/2009
(texto original escrito sem acentos, redigido no computador de teclado americano do hotel de seattle após o show)
Nao bastasse ser apenas carismatico e talentoso, ele ainda consegue escolher bandas como ninguem. Os Relentless 7, que o acompanham no momento, sao apenas 3, mas valem mesmo por 7.
Tive o privilegio de ver Ben Harper e os Relentless 7 fazendo o show de abertura para o Peal Jam no Key Arena, em Seattle, no ultimo dia 21 de setembro. Nao foi o melhor show que eu vi dele. O primeiro que vi, no Via Funchal em 2007, foi o melhor. Na ocasiao a banda era outra e o setlist era longo e arrasador. A abertura com "With my own two hands" parecia, na verdade, um bis, tanta era a energia que ele emanava do palco e o publico, ja em extase, respondia.
Dessa vez, porem, BH fez apenas um show de abertura. Teve pouca interacao com o publico - que claramente estava la para ver o Pearl Jam - e executou suas cancoes com muita eficiencia, mas de forma um pouco seca e rispida.
Foram todas cancoes de "White lies for dark times", disco que eu penso ser o melhor dele. Pelo menos eh o mais rock n'roll de todos, com cancoes nervosas e outras doces, mas profundas, cheias de sentimento.
No show a ordem das cancoes escolhidas talvez tenha ficado um pouco confusa e o unico momento que me pareceu grandioso foi o de "Fly one time".
Ainda assim, reconheco, BH e os R7 sao incriveis. E se esse show nao provocou em mim toda a emocao que eu esperava, tambem nao me desapontou a ponto de me fazer deixar de lado meu disco preferido do momento.
Fucando no site - lindo, por sinal -, descobri que o disco foi lancado no dia do meu aniversario. Parece bobagem, mas causou um arrepio em minha "pele fina".
Ben Harper & Relentless 7 tocam "Boots like this" na abertura para o show do Pearl Jam no Key Arena, em Seattle. Uma pena que não rolou uma palhinha depois. 21/9/2009
(texto original escrito sem acentos, redigido no computador de teclado americano do hotel de seattle após o show)
Alive
Eddie Vedder em ação no Key Arena - Seattle, 21/9/2012 |
"I'm still alive" - eh com esta frase ecoando na cabeca que centenas de pessoas deixam o Key Arena, em Seattle, apos uma performance enlouquecedora do Pearl Jam. A banda esta mais viva do que nunca e encerrar esse show com "Alive" eh mais significativo do que parece.
A apresentacao de 21 de setembro no Key Arena foi o inicio oficial da turne oficial de "Backspacer", novo album da banda, lancado no ultimo domingo, dia 20, um dia antes do show. Embora ja viesse se apresentando para o publico desde agosto, o PJ escolheu Seattle, sua terra natal, para inicio oficial da turne. E deu para entender o porque: em meio a vizinhos, amigos de infancia, colegas de outras bandas, familia e fans, a banda parecia relaxada e confortavel, com Vedder fazendo brincadeiras como "Estamos um pouco nervosos de tocar aqui hoje". O PJ entrou no palco tocando Long Road e seguiu misturando cancoes de todos os albuns com musicas novas. O unico disco que nao teve nenhuma cancao apresentada foi "Binaural". Ao todo foram 27 cancoes tocadas de forma visceral e performatica, sendo 8 do novo album. Mas era ate dificil dizer quais eram as musicas novas e quais eram as antigas, visto que o publico cantava em unissono todas as cancoes. As quase tres horas de show tiveram ainda duas boas participacoes especiais: o Octava String Quartet tocou com a banda as musicas "Just Breath" e "The End", no primeiro bis, o que deu um toque muito emocionante ao show; e o Syncopated Taint Horn Quartet tocou de maneira muito vibrante o unico cover da noite, "Real me", do The Who.
Bebendo vinho como se fosse agua, Vedder foi crescendo e enlouquecendo no show com uma performance de palco arrasadora. E ele nao eh o unico. O guitarrista Mike McCready tambem esta com sua veia punk ativada e corre o palco todo, pula como se estivesse numa cama elastica, mexe com a plateia e faz contato com o publico que esta em todos os niveis do estadio, mesmo nas cadeiras mais altas. Ele eh livre para solar o quanto quiser, pois na sua retaguarda esta Stone Gossard, que Vedder faz questao de dizer em determinado momento do show, que eh um porto seguro para a banda. E ninguem discorda. Quando ele pega o violao e faz a base para musicas como Daughter e Indifference, sua grandiosidade fica ainda mais evidente. Vedder, alias, apresenta e agradece a banda toda. E isso eh mesmo merecido. Jeff Ament e Matt Cameron fazem uma cozinha irretocavel. Ament alterna no show o baixo eletrico e um lindo baixo acustico, que da um toque sofisticado a cancoes como "Just Breath". Eh uma banda muito completa, uma mistura explosiva de tecnica e coracao.
Mas sendo este o show de abertura da turne, ha momentos de altos e baixos. A performance de "Even Flow" foi confusa e truncada, muito diferente daquela tocada em SP em 2006, com toda sua furia esperada. A mistura nao muito precisa de classicos, musicas novas e lados B tambem colaboraram para essa sensacao de montanha-russa. Nada disso, porem, tirou o brilho desse incio de turne. O publico respondeu entregando-se de maneira total a todas as cancoes e comentarios feitos por Vedder. Ele, alias, eh mesmo quem fala pela banda e, mesmo tentando nao falar de politica, diz em determinado momento "Se voce tem um microfone na mao, tem que se posicionar". Conta que outro dia recebeu uma ligacao de Cris Novoselic, ex-Nirvana, e sugere seu nome para as proximas eleicoes. E, falando sempre em nome da banda, diz que Obama ainda tem muito trabalho pela frente, e que acreditam que algo serio esta sendo feito a respeito dos conflitos que se arrastam no Oriente Medio. Pra arrematar, diz ainda que concorda com Obama que Kanye West eh um idiota, referindo-se ao episodio em que o rapper tomou das maos o microfone de Taylor Swift, que agradecia seu premio no VMA americano, para dizer que quem merecia mesmo o premio era Beyonce. A plateia riu e aplaudiu.
O ultimo set do show foi iniciado com "Given to fly", com uma iluminacao de palco lindissima e cantada palavra por palavra junto com o publico. Pearl Jam mostrou que vive um dos melhores momentos de sua carreira, onde a maturidade como musicos, como pensadores, atingiu a banda sem deixa-los obvios ou com pouco brilho. Ve-se claramente que a veia punk continua pulsando dentro deles e ainda que as cancoes do disco novo sejam mais liricas e menos nervosas, elas nao sao menos complexas. Que bom eh poder ainda sair de um show desses com a sensacao de que continuamos vivos.
(texto original sem acentos, escrito no computador de teclado americano do hotel em seattle)
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