quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

31 coisas que aprendi em 2009


#1 - Pessoas são apenas pessoas. Quando alguém te decepciona, será que não é você quem está esperando demais?

#2 - Não tem nada demais deixar alguém cuidar de você de vez em quando. E o contrário é mais que justo.

#3 - Algumas batalhas a gente tem que deixar de lutar. E saber a hora de bater em retirada é fundamental para poupar vidas.

#4 - Dessa vida a gente só leva a vida que a gente leva. O que você não viver nunca terá importância.

#5 - Novos lugares, novos ares, novas pessoas fazem você ver o mundo e a vida com outros olhos, de outros ângulos. É importante se mexer. As pedras que não rolam criam limo!

#6 - Há coisas que não dependem de você, então perdoe ou esqueça, mas siga em frente porque remoer ou reclamar não vai adiantar nada.

#7 - Perdoar é altamente libertador.

#8 - Julgar alguém não vai fazer nem de você nem do outro uma pessoa melhor.

#9 - A verdade às vezes dói. Mas ao ignorá-la tornamo-nos escravos dela.

#10 - Ame o mundo, mas entregue seu coração apenas a quem merece seu amor.

#11 - Desapegar das coisas não quer dizer que não devemos dar valor a elas.


#12 - É muito mais fácil ser gentil do que ser grosseiro com as pessoas. E a gentileza abre muito mais portas e sorrisos.


#13 - A vida é como um carro sem freio. Tem que cuidar pra não desgovernar, mas não adianta querer que ele pare.

#14 - É preciso 100 milhas de amor para curar uma milha de dor (essa foi o Ben Harper quem me ensinou).

#15 - Ainda que pareça mentira, o coração sana. E depois volta a quebrar-se, pois só assim ele pulsa (essa foi o Drexler quem me ensinou).

#16 - É bom acreditar no merecimento. Mas, de verdade, é a gente quem faz as coisas acontecerem.

Complemento do aprendizado #16: Living well is the best revenge (com o devido crédito ao REM): http://www.youtube.com/watch?v=ZGF0D0aueAQ

#17 - A felicidade está nas pequenas coisas. Qdo vc valoriza isso, consegue estar sempre feliz.

#18 - Disciplina é liberdade (Renato Russo me ensinou). Mas a gente tem que ter prazer no que faz, senão nem percebemos e a disciplina vira auto-escravidão.

#19 - Na dúvida, tire a dúvida. Senão você corre o risco de passar o resto da vida imaginando o que teria acontecido.

#20 - Há que se ter alguma maldade. Ninguém aguenta um ser 100% bonzinho o tempo todo. (ainda bem, senão eu estaria na roça!)

#21 - Faça o que você tem que fazer. Não fique esperando (é pior), não fique zangado (é melhor não fazer), não pense ser um mártir por estar fazendo (é presunção, mesmo que seja verdade).

#22 - Eles nem sempre se entendem, mas quando a cabeça acha uma coisa e o coração, outra, melhor repensar tudo. Se eles não concordarem, alguém vai ter de ceder.

#23 - É um exercício de humanidade dar uma chance as pessoas e ter paciência com elas.

#24 - Pra mim é uma grande prova de amizade a pessoa estar lá quando você deseja. Mas tem a mesma importância a pessoa estar lá quando você menos espera (e precisa!).

#25 - Valorize suas escolhas. Assim você nunca vai achar que as coisas seriam melhores se fossem diferentes.

Complemento do aprendizado #25: Vamos viver tudo o que há pra viver, vamos nos permitir! (Lulu Santos): http://www.youtube.com/watch?v=log6vJHLv3E&feature=related

#26 - Bom mesmo é viver um dia de cada vez. Pensar no passado com carinho, sem se apegar a ele. Planejar o futuro com calma, sem cair na tentação de querer viver o que ainda não existe.

#27 - Direcionar as energias é um ótimo exercício. Já se deu conta de como a gente perde tempo e esforço com coisas que não tem a menor importância?

#28 - Respirar foi uma das minhas mais importantes descobertas. Vocês não tem idéia de como faz diferença a gente saber respirar certo.

#29 - É importantíssimo saber curtir a própria companhia. Goste você ou não, existem vezes em que é preciso estar sozinho.

#30 - Compartilhar é mais do que postar, ligar, dividir a cerveja. Compartilhar é dizer pro outro o que você sente sem medo de ser julgado, agir com bom coração, saber seu lugar nesse mundo e lembrar que você não está aqui sozinho.

#31 - É ilusão achar que amanhã vai ser tudo diferente só porque virou o ano. Renove seus votos sempre que precisar. Pra começar uma história nova, não precisa de data e nem de mais ninguém - é só começar!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O amor, a amizade e a gravidade de Paul McCartney

São sete e meia de uma noite fria e úmida em Paris. Eu e meu amigo Affonso estamos assustados com a fila gigantesca na frente do ginásio de Bercy, em Paris, onde vamos assistir o show de Paul McCartney.

O ginásio, com capacidade para 17 mil pessoas, parece pequeno para acomodar aquele povo todo, mas de algum modo parece que todos entraram. Já lá dentro, mais relaxados por saber que o início do show tinha esperado por nós, pegamos uma cerveja cada um e aguardamos o grande momento.

A iluminação do palco é acionada e o público alvoroçado começa a aplaudir. Mas ainda não. Ainda não é ele. O telão começa a projetar imagens fantásticas, mistura de fotos, ilustrações e vídeos de Paul, Beatles, Wings... Era apenas uma introdução, prenúncio luxuoso do que estava por vir.

Pouco depois das 9 da noite sir Paul McCartney e sua banda maravilhosa entram no palco. Estamos tão próximos a eles que é difícil de acreditar que não estamos sonhando.

Eles abrem o show com “Magical mystery tour”, com imagens coloridas e fractais no telão de fundo, que ao longo do show se prova um espetáculo à parte. E é claro, nós todos embarcamos na viagem. Carrões em alta velocidade surgem na tela e eles emendam em “Drive my car”, numa versão super dançante, seguida de “Jet”, que mantém o astral lá em cima e nossos pés impossibilitados de ficar no chão.

Paul então vem ao microfone para dar boa noite a Paris. Sua simpatia e o inequívoco bom humor nos fazem lembrar que estamos diante de Paul McCartney. Do beatle Paul McCartney! Isso pode parecer uma bobagem para outros mortais, mas para mim, não. Para mim e para as outras 16.999 pessoas em Bercy naquela noite esse era um momento único na vida.

E mesmo sendo um beatle, mesmo já tendo tocado para milhares de pessoas, aquele parecia ser um momento especial para Paul também. Ele pede um minuto para olhar para o público, dizendo que aquilo é tão bacana que ele quer olhar bem para guardar na memória. Bercy vai ao delírio.

A música seguinte é “Only mama knows”, a minha preferida do último disco, “Memory almost full”, e me faz lembrar do amigo mais beatlemaníaco que eu tenho, Ricardo, que me pediu que pensasse nele quando tocassem essa canção. É nessa hora também que eu finalmente consigo prestar atenção na banda. E como é boa essa banda! Os arranjos estão super rock n’roll e isso vai ficando cada vez mais evidente na medida em que o show avança com “Flaming Pie”, “Got to get you into my life” e “Let me roll it” que termina emendada em “Foxy Lady”, a primeira homenagem da noite. Paul conta que quando viu Jimmi Hendrix tocando essa música ficou alucinado com sua performance na guitarra e que depois de tocá-la Hendrix foi ao microfone e perguntou “Eric está por aí?”, referindo-se a Eric Clapton, que estava lá e se escondeu.

O show desta noite estava recheado de homenagens. Ele dedicou “My love" a todos os “amoureax”, dizendo que escreveu essa canção para Linda, mas que ficava feliz de dividi-la com outros apaixonados. Antes de cantar “Blackbird” ele fala sobre as discussões sobre os direitos humanos com relação ao preconceito racial na década de 60, contando que escreveu a música naquela época e que ela fala sobre a esperança mesmo nos momentos mais sombrios.

Ele homenageou também de maneira sublime a França, Paris e os franceses. Incluiu no setlist a canção “Michelle”, acompanhado de um acordeon que não poderia soar mais francês e imagens da Torre Eifel sob a lua cheia no telão. E anunciou de maneira engraçadíssima – “Nunca toquei essa música na França. E ela é em francês!” – “Obladi Oblada”. Até os franceses riram!

Mas as grandes homenagens da noite foram para os Beatles. A primeira delas para a banda em si. “Got to get you into my life” levou as pessoas ao delírio mostrando no telão as animações dos Beatles para o jogo RockBand. A segunda homenagem foi para John Lennon. Paul emociona a todos ao dizer que às vezes os momentos passam e não dizemos às pessoas que as amamos e anuncia em francês “Essa música é para meu amigo John. É como se fosse uma conversa que poderíamos ter tido.” e toca “Here today”.

A homenagem mais bonita da noite, porém, foi a que ele fez a George Harrison. Antes de sequer anunciar qual seria a canção, Paul foi aplaudido por vários minutos ao dizer em francês que aquela música era dedicada a George. Com um ukelelê nas mãos, ele conta que George tocava o instrumento como ninguém e faz uma imitação engraçada do amigo tocando velhas canções americanas, dizendo ainda que aquele ukelelê tinha sido um presente de George para ele. E então, sozinho no palco, Paul começa a tocar “Something” de maneira leve e divertida. Essa música é tão incrível que sozinho no palco, fazendo graça com o ukelelê, Paul consegue fazer a música crescer e envolver todo o público, que chega no auge da canção cantando a plenos pulmões em uníssono “I don’t know, I don’t know”. E sem que a gente nem perceba a troca de instrumentos, a banda volta ao palco, Paul pega um violão, a guitarra começa o clássico solo da música e o telão projeta imagens incríveis de George Harrison em vários momentos da vida, sozinho, com os Beatles, cabeludo, jovenzinho, fotos dos dois juntos em situações de muita cumplicidade, fumando, no estúdio... O arranjo da música fica tão grandioso com a entrada de coros, guitarras e violões que deixa as pessoas emocionadas. E eu vou às lágrimas, claro.

As canções dos Beatles, obviamente são as que mais comovem as pessoas. Mas existem canções que são verdadeiros hinos, como “A day in the life”, que Paul junta com outro hino, nova homenagem a John Lennon, “Give peace a chance”. Os franceses cantam o refrão com as mão para cima, dedos em V, enquanto o telão projeta o símbolo de paz e amor. Pura catarse.

Mas eu não pude deixar de me perguntar – e a homenagem a Ringo? Será que o Macca só faz homenagens a Beatles falecidos? Pobre Ringo...

Ninguém parece preocupado com isso, claro. Fica difícil mesmo pensar em qualquer outra coisa diante de um show tão bem montado, com um setlist irretocável e momentos clássicos e super esperados, como os em que Macca vai para o piano, que fica no alto do palco, onde todos conseguem vê-lo tocar. Até eu, com menos de 1,60m de altura! É realmente viver um sonho ver um show de Paul McCartney com toda essa qualidade e conforto. E meu ingresso de pista era o mais barato de todos os lugares disponíveis no ginásio porque era em pé. Inacreditável.

E toda vez que ele subia ao piano, antes mesmo de começar a tocar, o público ficava em polvorosa. Não era à toa. “The long and winding road" foi a primeira ao piano, que ele emendou com uma canção inédita e linda, “I want to come home”, trilha sonora de um filme com Robert De Niro, que ficamos loucos para assistir, de tão bonitas que eram as imagens do filme mostradas no telão. Esse foi um momento bem romântico do show. Depois de dedicar “My love" à Linda e aos apaixonados, Paul deixa o piano fazendo um coração com os braços sobre a cabeça. Todos riem. O amor, para Paul McCartney é motivo de alegria, não de tristeza.

Apesar do telão de altíssima fidelidade, o show parece ser um espetáculo simples. O palco não é particularmente complicado. A iluminação é elaborada mas nada muito grandiosa. Paul está vestido de forma elegante, usa suspensórios. Mas é o Paul McCartney de sempre, sem firulas. E mesmo a banda sendo numerosa, nada chama muito a atenção. Nos minutos finais do show, porém, a coisa fica espetaculosa, sim. “Live and let die”, a penúltima canção antes do bis, é executada de maneira clássica com seus arranjos elaborados e ricos. Uma explosão de fogos de artifícios no meio da música chega até a assustar o público, que não esperava um show pirotécnico dentro de um ginásio fechado. As pessoas mal recuperam o fôlego e ele começa “Hey Jude”. Catarse novamente. Sir McCartney sai do palco ovacionado. O público não arreda o pé. Todos sabem que vai ter mais.

Ele na verdade volta mais duas vezes. Toca no primeiro bis “Day Tripper”, “Lady Madonna” e “Get back” e na segunda entrada “Yesterday”, “Helter Skelter” numa versão heavy metal que faz a gente chacoalhar a cabeça como se não houvesse amanhã, e “Sgt. Peppers” emendada em “The end”, que finaliza o show. Um final emocionante. As pessoas aplaudindo sem parar, enquanto aquele jovem senhor, depois de quase 3 horas de apresentação, aos seus 67 anos, corre de um lado ao outro do palco com as mãos levantadas, parando no microfone de vez em quando para fazer piadas como “Está na hora de eu ir pra casa. Aliás, está na hora de VOCÊS irem pra casa, não acham?”.

Ele não voltou mais e a gente teve que ir pra casa mesmo. Quando as luzes acenderam, as pessoas pareciam borboletas. Todos pareciam flutuar. Se esse fosse um filme de Woody Allen, nessa hora todos os personagens iriam para a casa voando. A gravidade, assim como a idade, são supérfluos absolutamente ignorados no universo de Paul McCartney. Obladi, oblada, life goes on, la-la-la-la life goes on!

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

U2, a maior banda do planeta?

Pelo menos esta noite, pelo menos para alguns dos milhões de mortais que estavam acompanhando a banda esta noite, ao vivo em LA, no Rose Bowl, ou de casa, como eu, seguindo a transmissão ao vivo no YouTube, o U2 pareceu a maior banda do planeta.
A idéia de ter milhões de pessoas assistindo ao show ao mesmo tempo, de diferentes partes do planeta, é fabulosa. E tudo bem se isso já nem parece mais novidade, afinal, já em 1967 os Beatles participaram da primeira transmissão de TV global via satélite para 26 países e foram vistos por 400 milhões de pessoas. E os Stones fizeram uma “quase-tentativa” de broadcast em 95. Mas foi o show do David Bowie, em 2003, que me causou uma comoção, ao ser transmitido ao vivo e com muita eficiência para diversos cinemas no mundo todo de Londres, no kick-off da turnê “Reality”. Assistir a esse show em Stereo Dolby Digital no cinema UCI com amigos queridos foi uma experiência marcante, que não consigo esquecer.
Mas ainda que a idéia não seja tão nova, certamente este show do U2 deverá entrar para a história. Vamos aguardar os números do YouTube. E não vou negar que tive alguns momentos de frustração no início, quando o link não suportava os acessos e a transmissão dava problemas. Vi a interrupção da transmissão somente uma vez (por sorte!), mas em outros momentos, fiquei sem a transmissão da imagem, acompanhando os acontecimentos apenas pelo som. Foram momentos de ansiedade, como se alguém tivesse entrado na minha frente e eu não conseguisse mais enxergar o palco. Engraçado!
Como show, musicalmente falando, o show foi irrepreensível, mesmo com uma ou outra escorregada – o que aliás, deixa o show mais divertido.
Eles começaram o show carregando nas músicas do último disco, como “Get on your boots” e “Magnificent”. Aliás, é em “Magnificent” que Bono cumprimenta a platéia, parecendo o Robert de Niro em “Taxi Driver”, e puxa a emoção das pessoas para o alto do palco, cantando com muita sedução, na companhia de The Edge, atacando sua guitarra com um “slide” muito afinado.
Bono encara a platéia de frente, começa “Mysterious ways” de modo muito sedutor e com um humor bem característico de LA, meio “rapper de ocasião”, pedindo às pessoas “put your hands in the air”, o que é muito divertido.
Ver um show transmitido ao vivo tem várias curiosidades interessantes de serem observadas, já que nada é editado ao ser transmitido. Como a entrada da banda no palco, vinda lá do backstage, onde a gente pressente um certo nervosismo (e pensa “pode uma banda como o U2 sentir nervosismo antes de entrar no palco?”, mas aí você vê o nervosismo nos olhos de Larry Jr e entende que esses caras, afinal, são apenas pessoas de carne e osso, como a gente!).
Em “Beautiful day” um rodie atrapalhado trocou o microfone do Bono bem na introdução da musica, mas ele não se intimida e canta lindamente. Na verdade, ele parece cansado, sentadinho na escada de uma das rampas. Mas ainda assim canta lindamente. Os shows dessa nova turnê 360 graus têm uma tônica diferente e é preciso que a gente se acostume com isso. O andamento das músicas é mais lento, o que faz a banda parecer meio cansada em alguns momentos, mas eles compensam com canções intensamente trabalhadas e um som claro e cristalino, onde você ouve cada instrumento com muito discernimento e intensidade. E isso é fantástico.
Antes de apresentar a banda, no meio do show, Bono agradece ao Black Eye Peas, agradece LA, Bill Clinton, George Clinton (quem mais, além de Bono, pode agradecer aos diferentes Clinton com tamanha propriedade e bom humor?) e aos 7 continentes presentes no YouTube, acompanhando o show em seus computadores. E eu me sinto participando do evento! (“Faço eu parte da história?”, não consigo deixar de pensar).
Em “Still haven’t found what I’m looking for”, a banda introduz a música, mas é a platéia que canta, a plenos pulmões, toda a primeira parte da canção. Bono se junta às milhões de vozes, e encerra a canção emendando em “Stand by me”, canção dos Beatles, que o U2 toca há muito tempo, entregando novamente à platéia a doce tarefa de cantar.
O show tem altos e baixos, não podemos negar, além de momentos surpreendentes, como a versão meio sertaneja de “ Stuck in a moment”, onde somente The Edge, ao violão, e Bono, fazem um dueto, com uma bela segunda voz de The Edge, num momento bem performático, tentando se encontrar com Bono, um em cada uma das pontes que se movem no palco “Spaceship 360 degrees”.
Este é um show do U2 que faz você pensar. Principalmente se for fã da banda. “Será esta a maior banda do mundo?” – esta é uma pergunta que me faço ao longo do show todo. Por outro lado, é perceptivel o quanto os caras são engajados com determinadas causas, mas também o quanto são “marketeiros”, ou seja, o quanto conseguem promover (e conseqüentemente vender) qualquer que seja a causa do momento.
Tudo parece milimetricamente calculado. O show é dirigido com maestria e quando você se dá conta, está cantando e pulando, mesmo que do sofá de casa (meus vizinhos que me perdoem!). Som, imagem e luzes parecem impecáveis, mas eis que de repente Bono erra a introdução de “In a little while”, entra atrasado e tudo soa errado por alguns segundos. The Edge se aproxima, eles se entreolham e há uma atmosfera de que “ok, deu problema, mas está tudo bem agora”. E aí você lembra que essa é uma transmissão ao vivo. Não há edição. Você está vendo Bono Voz errar a introdução de uma música ao vivo! Sensacional! Pois nem isso estraga – nem de longe – a grandiosidade desta apresentação, do palco 360 graus, da grande banda que o U2 se transformou.
E é tudo muito curioso, pois na mesma música em que você percebe que Bono também erra, ele pede que o astronauta da Estação Espacial americana, declame os últimos versos da canção. Lá do espaço! Quem mais poderia fazer isso?
Eles emendam a canção em “Unknown caller” e “Until the end of the world”, com um show de luzes e expansões do telão que são magníficos. Bono começa a correr pela longa plataforma antes do início de “City of blinding lights”, o que te faz pensar “como é que ele vai cantar agora?”. Mas ele canta. Linda e profundamente, dirigindo-se à câmera e perguntando “can you see the beauty inside of me?”. Claro que podemos, Bono!
A partir daí o show explode. Vertigo tira as pessoas do chão, ainda mais depois que Bono diz para as pessoas “I had some Spanish lessons, I had added some Irish accent” e canta “uno, dos, tres, catorze”, para iniciar Vertigo e depois terminá-la com versos de “It’s only rock and roll” dos Stones.
Em “Walk on” ele faz a homenagem a Aung San Suu Kyi (lider eleita de Burma, que nunca pode assumir sua posição) e a banda sai do palco por alguns segundos. No retorno, ouvimos : “One” e “Where the streets have no name”, que nos fazem lembrar que U2 tem momentos que são realmente só deles.
Na segunda entrada Bono está usando uma jaqueta de leds vermelhos e canta pendurado um microfone que parece um volante de chevete. Ele pode.
Tudo isso cria um clima para “With or without you”, que nos permite ouvir uma linha de baixo única e lindamente tocada por Adam Clayton, o que provavelmente seria difícil de perceber se estivéssemos presentes no show ao vivo.
Bono então transforma o público na Via Láctea ao pedir as pessoas para ligarem seus telefones celulares e cantar “Moment of surrender”, de um modo realmente único e surpreendente.
Sim, pelo menos esta noite, estou convencida de que o U2 é a maior banda do planeta.
E parece que todo o thread que seguiu a banda no YouTube, Twitter e Facebook parece concordar.
O rock n’roll chegou à era digital finalmente.
O palco-espaçonave do U2 no Giants Stadium - New Jersey, 23/9/2009

domingo, 27 de setembro de 2009

Sobrevivendo a uma semana rock n'roll

Viajando de uma costa a outra dos EUA, tive o prazer de assistir no espaco de uma semana a tres grandes shows de rock n'roll em diferentes niveis: em Seattle, como show de abertura, vi Ben Harper e Relentless 7, num show curto, mas muito preciso; na mesma noite, vi Pearl Jam fazendo o kick off oficial da turne de seu novo disco "Backspacer"; e em Nova York, ou melhor, em New Jersey, vi o U2 e seu show "espacial" quebrar o recorde de lotacao do Giants Stadium.

Foi de fato uma semana inesquecivel. O curioso eh que minha expectativa em relacao aos shows foi completamente atropelada diante da performance das bandas em questao.

Eu estava numa ansiedade doida para ver o Ben Harper. O disco "White lies for dark times" esta praticamente furado no meu CD player de tanto que ja foi ouvido. Na minha humilde opiniao, eh o melhor album de BH. Mas ele estava timido no Key Arena, o som nao estava tao bom e talvez as musicas escolhidas nao tenham sido as melhores para um show de abertura - foram apenas 7 cancoes, todas do disco novo e executadas de forma seca, sem muita interacao com o publico. Ainda assim foi um belo show. Sua figura carismatica e seu modo virtuoso de cantar dispensam frescuras no palco e a banda que lhe acompanha eh descomplicada e eficiente, como toda banda de apoio deveria ser - os Relentless 7 sao apenas 3 musicos, embora soem mesmo como 7. E como shows de abertura costumam mesmo ser apresentacoes menores, acho que minha expectativa eh que estava exagerada.

O show do Pearl Jam, por outro lado, foi um demolidor de muralhas. Eu ja os tinha visto no Brasil, no Pacaembu, em 2006, e tinha ficado chapada com a energia da banda. Pelo que eu havia ouvido de "Backspacer", um disco um pouco mais lento do que os anteriores, minha expectativa era de que este seria um show mais "maduro" ou talvez menos nervoso. Ledo engano. Ha mais energia no palco do Pearl Jam do que numa usina nuclear. Eddie Vedder toma vinho como quem toma agua durante o show e sua performance de palco eh enlouquecedora. O excesso de vinho nao prejudica em nada sua voz, que continua unica e linda. A banda toda, alias, segue mais afinada do que nunca e as guitarras, que continuam bem nervosas em "Backspacer", fizeram meus ouvidos sairem zunindo do Key Arena.

O palco do PJ eh simples. A iluminacao eh caprichada, mas sem grandes requintes. O que faz o show grandioso mesmo eh a banda, que continua tocando como se todos ainda tivessem 20 anos de idade, de maneira enfurecida. Rock n'roll em estado bruto.

Na contra-mao da simplicidade do PJ e BH, encerrei a semana vendo o U2 em seu sofisticado palco 360 graus no Giants Stadium. Foi um espetaculo sensacional - um roteiro milimetricamente calculado de 2 horas de musica de altissima qualidade, com efeitos caprichados no telao de alta definicao e pirotecnias de palco bem especiais. Claramente um show para fans do U2 e que tenham gostado muito de "No line on the horizon". O palco em formato de espaconave eh realmente impressionante e embarcamos facilmente na viagem com eles.

Mas apesar de toda engenharia de som e imagem, o show do U2 nao chega aos pes do show do Pearl Jam e eu fico me perguntando por que sera?

Continuo gostando muito de U2. Acho que "No line on the horizon", mesmo nao sendo tao bacana como "All that you cant leave behind" nem tao poderoso como "How to dismantle an atomic bomb", eh um excelente disco. Mas alguma coisa de essencial na musica do U2 se perdeu no meio daquele palco gigantesco. O som estava impecavel, mas a pegada rock n'roll que tinha de sobra no show do Pearl Jam estava em falta no show do U2.

No fim das contas, minha conclusao eh a de que nao nao ha tecnica nem tecnologia capazes de bater um acorde nervoso que venha do fundo da alma. Um show inesquecivel depende muito menos do espetaculo ao seu redor do que da quimica entre os musicos que se apresentam no palco. E a quimica estava perfeita entre os meninos do PJ, mas um pouco difusa entre as grandes estrelas do U2.

Implicancias a parte, encerro esta semana com uma unica certeza: Ben Harper, Pearl Jam e U2 fazem musica de primeira qualidade. Sao performances imperdiveis de serem vistas ao vivo. Precisamos torcer para que voltem ao Brasil, tao carente de shows grandiosos como esses. Cada um em seu nivel. Todos engajados com suas causas sociais. E todos igualmente eficientes em mostrar que ainda existe rock n'roll pulsando nas veias de quem esta naquele palco, rock n'roll capaz de fazer pulsarem as veias de quem esta na plateia daqueles shows.

Nao devemos nos contentar com pouco, nao. Mas quando o "pouco" em questao eh um show simples de abertura do Ben Harper ou ainda um show do U2 que nao eh tao incrivel quanto seus shows anteriores, este "pouco" eh absolutamente aceitavel. Afinal, nao eh todo dia que se pode ver Pearl Jam inaugurando turne em sua terra natal. Luxo para poucos. Ou como diria meu amigo Regis - privilegio de quem merece :-)

Moment of surrender

U2 no palco-espaçonave aterrissado no Giants Stadium - New Jersey, 23/9/2009
Mesmo quebrando recordes de publico no Giants Stadium e impressionando o publico com a grandeza de seu palco 360 graus, eh notavel que a turne de No Line on the Horizon do U2 nao tem o mesmo poder hipnotizante de publico que as duas turnes anteriores tinham.
As turnes do "Coracao" e "Vertigo", que apresentavam respectivamente "All that you cant leave behind" e "How to dismantle an atomic bomb" tinham palcos menores e um pouco mais intimistas. Os setlists tambem pareciam mais poderosos, com cancoes mais rock n'roll do que agora.
Parece inegavel tambem que Bono - principalmente ele - nao tem mais a mesma energia de antes no palco. O tamanho gigantesco da "estrutura espacial" do palco novo parece mesmo um desafio para a banda. Eles inevitavelmente ficam mais separados e, para dar conta de se comunicar com o publico que esta por todos os lados, tem que percorrer o palco inteiro, o que significa cruzar as pontes e dar a volta completa no anel exterior, o que parece ser exaustivo.
Mas seria mesmo pouco classificar um show desse porte apenas como "show". O que o U2 apresentou nessas duas noites novaiorquinas foi na verdade um espetaculo que vai muito alem da musica. Alem do palco gigante, com a plataforma central - onde esta a bateria de Larry Mullen Jr - que gira, os teloes de altissima definicao transmitem imagens feitas a partir de uma estacao espacial. Os efeitos de palco sao realmente de tirar o folego.
E eh mesmo o "espaco" o tema central do show. A musica de abertura (o U2 sempre escolhe uma musica de outra banda para fazer a abertura de seus shows) eh Space Oddity, de David Bowie, o que cria um tremendo clima para o inicio. E a musica de encerramento, nao menos classica, eh Rocket Man, em sua versao original de Elton John.
A noite de 23 de setembro, alias, foi uma noite de homenagens. Na sexta cancao do show, Bono arranca gritos da plateia de New Jersey ao lembrar que eh dia do aniversario de Bruce Springsteen e dedica ao "the boss" uma improvisada versao de "She's the one", que a banda nao da conta de terminar, emendando em "Desire". Mas a homenagem eh sincera e Bono se desculpa pela improvisacao e diz com muito respeito que Bruce esta fazendo 60 anos e que por isso a noite eh ainda mais especial.
Elevation eh a musica que da continuidade ao show e parece que ele finalmente vai decolar, mas... nao decola. As musicas parecem estar mais lentas e o publico nao responde com muita energia. Uma versao disco de "I'll go crazy if I dont go crazy tonight" deixa ainda mais claro que este nao eh um show do U2 com a mesma forca e vitalidade de anos anteriores.
Bono continua querendo salvar o mundo. Fala da Africa e das 3,5 milhoes de criancas salvas no mundo gracas a imunizacao em "One", convida dezenas de voluntarios a usarem uma mascara com o rosto de Aung San Suu Kyi (lider eleita de Burma, que nunca pode assumir sua posicao) em "Walk on" e ainda percorre o palco de maos dadas com um garotinho em "Where the streets have no name". A megalomania ja vista outrora no palco de Pop Mart, cede espaco agora para algo nao menos grandioso, mas um pouco mais real, embora a banda lance mao ainda de efeitos pirotecnicos na roupa e nos equipamentos (Bono usa uma jaqueta com leds e canta num microfone iluminado em "Ultraviolet").
Exagerado, magalomaniaco, mais lento do que se esperava. Nada disso, porem, fez do show do U2 no Giants Stadium um espetaculo dispensavel de se ver. Eh de fato uma das maiores bandas do mundo. E contra fatos nao ha argumentos - o show de 24 de setembro quebrou um recorde de mais de 84.000 pessoas no Giants Stadium, recorde este que pertencia ao Papa Joao Paulo II em sua visita de 1995. Nao deve ser coincidencia a banda encerrar o show com "Moment of surrender".

(texto escrito originalmente sem acentos)

Skin thin

Eu sou mesmo uma pessoa de muita sorte. So alguem com muita sorte ja viu tres shows de Ben Harper em diferentes lugares, com diferentes bandas e diferentes vibes.
Nao bastasse ser apenas carismatico e talentoso, ele ainda consegue escolher bandas como ninguem. Os Relentless 7, que o acompanham no momento, sao apenas 3, mas valem mesmo por 7.
Tive o privilegio de ver Ben Harper e os Relentless 7 fazendo o show de abertura para o Peal Jam no Key Arena, em Seattle, no ultimo dia 21 de setembro. Nao foi o melhor show que eu vi dele. O primeiro que vi, no Via Funchal em 2007, foi o melhor. Na ocasiao a banda era outra e o setlist era longo e arrasador. A abertura com "With my own two hands" parecia, na verdade, um bis, tanta era a energia que ele emanava do palco e o publico, ja em extase, respondia.
Dessa vez, porem, BH fez apenas um show de abertura. Teve pouca interacao com o publico - que claramente estava la para ver o Pearl Jam - e executou suas cancoes com muita eficiencia, mas de forma um pouco seca e rispida.
Foram todas cancoes de "White lies for dark times", disco que eu penso ser o melhor dele. Pelo menos eh o mais rock n'roll de todos, com cancoes nervosas e outras doces, mas profundas, cheias de sentimento.
No show a ordem das cancoes escolhidas talvez tenha ficado um pouco confusa e o unico momento que me pareceu grandioso foi o de "Fly one time".
Ainda assim, reconheco, BH e os R7 sao incriveis. E se esse show nao provocou em mim toda a emocao que eu esperava, tambem nao me desapontou a ponto de me fazer deixar de lado meu disco preferido do momento.
Fucando no site - lindo, por sinal -, descobri que o disco foi lancado no dia do meu aniversario. Parece bobagem, mas causou um arrepio em minha "pele fina".
Ben Harper & Relentless 7 tocam "Boots like this" na abertura para o show do Pearl Jam no Key Arena, em Seattle. Uma pena que não rolou uma palhinha depois. 21/9/2009

(texto original escrito sem acentos, redigido no computador de teclado americano do hotel de seattle após o show)

Alive

Eddie Vedder em ação no Key Arena - Seattle, 21/9/2012
"I'm still alive" - eh com esta frase ecoando na cabeca que centenas de pessoas deixam o Key Arena, em Seattle, apos uma performance enlouquecedora do Pearl Jam. A banda esta mais viva do que nunca e encerrar esse show com "Alive" eh mais significativo do que parece.
A apresentacao de 21 de setembro no Key Arena foi o inicio oficial da turne oficial de "Backspacer", novo album da banda, lancado no ultimo domingo, dia 20, um dia antes do show. Embora ja viesse se apresentando para o publico desde agosto, o PJ escolheu Seattle, sua terra natal, para inicio oficial da turne. E deu para entender o porque: em meio a vizinhos, amigos de infancia, colegas de outras bandas, familia e fans, a banda parecia relaxada e confortavel, com Vedder fazendo brincadeiras como "Estamos um pouco nervosos de tocar aqui hoje".
O PJ entrou no palco tocando Long Road e seguiu misturando cancoes de todos os albuns com musicas novas. O unico disco que nao teve nenhuma cancao apresentada foi "Binaural". Ao todo foram 27 cancoes tocadas de forma visceral e performatica, sendo 8 do novo album. Mas era ate dificil dizer quais eram as musicas novas e quais eram as antigas, visto que o publico cantava em unissono todas as cancoes. As quase tres horas de show tiveram ainda duas boas participacoes especiais: o Octava String Quartet tocou com a banda as musicas "Just Breath" e "The End", no primeiro bis, o que deu um toque muito emocionante ao show; e o Syncopated Taint Horn Quartet tocou de maneira muito vibrante o unico cover da noite, "Real me", do The Who.
Bebendo vinho como se fosse agua, Vedder foi crescendo e enlouquecendo no show com uma performance de palco arrasadora. E ele nao eh o unico. O guitarrista Mike McCready tambem esta com sua veia punk ativada e corre o palco todo, pula como se estivesse numa cama elastica, mexe com a plateia e faz contato com o publico que esta em todos os niveis do estadio, mesmo nas cadeiras mais altas. Ele eh livre para solar o quanto quiser, pois na sua retaguarda esta Stone Gossard, que Vedder faz questao de dizer em determinado momento do show, que eh um porto seguro para a banda. E ninguem discorda. Quando ele pega o violao e faz a base para musicas como Daughter e Indifference, sua grandiosidade fica ainda mais evidente. Vedder, alias, apresenta e agradece a banda toda. E isso eh mesmo merecido. Jeff Ament e Matt Cameron fazem uma cozinha irretocavel. Ament alterna no show o baixo eletrico e um lindo baixo acustico, que da um toque sofisticado a cancoes como "Just Breath". Eh uma banda muito completa, uma mistura explosiva de tecnica e coracao.
Mas sendo este o show de abertura da turne, ha momentos de altos e baixos. A performance de "Even Flow" foi confusa e truncada, muito diferente daquela tocada em SP em 2006, com toda sua furia esperada. A mistura nao muito precisa de classicos, musicas novas e lados B tambem colaboraram para essa sensacao de montanha-russa. Nada disso, porem, tirou o brilho desse incio de turne. O publico respondeu entregando-se de maneira total a todas as cancoes e comentarios feitos por Vedder. Ele, alias, eh mesmo quem fala pela banda e, mesmo tentando nao falar de politica, diz em determinado momento "Se voce tem um microfone na mao, tem que se posicionar". Conta que outro dia recebeu uma ligacao de Cris Novoselic, ex-Nirvana, e sugere seu nome para as proximas eleicoes. E, falando sempre em nome da banda, diz que Obama ainda tem muito trabalho pela frente, e que acreditam que algo serio esta sendo feito a respeito dos conflitos que se arrastam no Oriente Medio. Pra arrematar, diz ainda que concorda com Obama que Kanye West eh um idiota, referindo-se ao episodio em que o rapper tomou das maos o microfone de Taylor Swift, que agradecia seu premio no VMA americano, para dizer que quem merecia mesmo o premio era Beyonce. A plateia riu e aplaudiu.
O ultimo set do show foi iniciado com "Given to fly", com uma iluminacao de palco lindissima e cantada palavra por palavra junto com o publico. Pearl Jam mostrou que vive um dos melhores momentos de sua carreira, onde a maturidade como musicos, como pensadores, atingiu a banda sem deixa-los obvios ou com pouco brilho. Ve-se claramente que a veia punk continua pulsando dentro deles e ainda que as cancoes do disco novo sejam mais liricas e menos nervosas, elas nao sao menos complexas. Que bom eh poder ainda sair de um show desses com a sensacao de que continuamos vivos.

(texto original sem acentos, escrito no computador de teclado americano do hotel em seattle)

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Flower power girls

Diferente de Caetano quando chegou em Sampa, para mim sempre houve Rita Lee. Quando era criança, era louca por ela. Adorava “Lança perfume” e nunca entendia por que meu pai, apesar de admirar meu gosto pela Rita, me desencorajava a cantar a parte do “me deixa ficar de quatro no ato, me enche de amor”.
Hoje, enquanto assistia a “Loki”, documentário sobre o Arnando Batista, não pude deixar de pensar na minha paixão pela Rita na infância e foi impossível, claro, não refletir sobre o real poder dessa mulher sobre o que aconteceu naquele momento da música, com os Mutantes, com o Arnaldo, o Sérgio e todos os que orbitavam aquela viagem. A saída da Rita dos Mutantes foi o fim pra eles e, de certo modo, o fim de um homem que nunca mais se recuperou da passagem daquele furacão pela vida dele.
Vendo mais de perto o que foi da vida do Arnaldo depois da Rita Lee e dos Mutantes, outra coisa me chamou a atenção: o quanto algumas mulheres têm o poder de arrasar ou salvar alguns homens. Se o Arnaldo nunca mais foi a mesma pessoa depois da Rita, certamente nós não saberíamos jamais o que ele foi depois dela não fosse pela Lucinha, sua atual esposa.
Me lembrei de Johnny Cash e June Carter-Cash. E mesmo de Ozzy e Sharon Orbourne, à despeito das preocupações, motivos e propósitos de cada um. Penso o que teria sido desses homens não fossem essas mulheres que lhes acompanharam no céu e no inferno das coisas.
A viagem das drogas também foi pesada na história das mulheres da música. Mas não sei de nenhum homem salvando Billie Holiday e Janis Joplin do fim trágico que abreviou histórias de genialidade e sucesso.
Aí, romântica que sou, penso também no poder transformador do amor e como esse poder guia de maneira total e absoluta a vida de algumas pessoas, sendo o grande responsável, de verdade, por seus destinos.
Teria Arnaldo sobrevivido à sua tentativa de suicídio e (até pior, sendo ele um artista) ao ostracismo não fosse pelos cuidados da Lucinha? Estaria Tom Zé produzindo álbuns tão felizes e realizando performances ainda tão vibrantes se não tivesse Neusa para cuidar de sua casa, sua agenda de jardinagem e sua obra?
O próprio Tom Zé, poço de sabedoria que é, aborda como devido respeito e reverência a importância da figura da mulher na vida de um homem em “Medo de mulher”, música em que homenageia o poder mítico e natural das mulheres em relação aos homens.
Por trás desse poder feminino, ainda que haja objetividade, força, interesses e motivações mais mundanas, vejo o amor.
Acho que Rita Lee deixou Arnaldo e os Mutantes porque o amor acabou – e, nesse sentido, pouco importa se ela era ambiciosa, se teve a cabeça feita para seguir em carreira solo (até porque sua carreira solo é de tremendo sucesso e reconhecimento mesmo não tendo um décimo da genialidade dos Mutantes) – e quando o amor acaba, as coisas perdem o sentido e precisam de outro rumo. Se Rita Lee ainda amasse Arnaldo e os Mutantes ela não teria ido embora. Se amava, foi embora quando desistiu de amar.
As mulheres são assim – quando resolvem que não amam mais, colocam a viola no saco e saem pra vida em busca do amor que faltou, como a Rita. E quando resolvem amar, não importa o que terão que fazer por esse amor. Entregam-se de coração e são capazes de dedicar a vida ao seu amor, como a Lucinha.
Parece muito romântico encarar o amor como elemento transformador da vida dessas pessoas geniais e até ingênua essa condição de “loucos necessitados de resgate” que atribuo aos homens desse texto e “grandes forças destruidoras e regenerativas” que atribuo às mulheres, mas se pararmos para pensar, teria Johnny Cash gravado “Folsom Prision” se ele não tivesse convencido June Carter de que seu amor valia a pena? Teria Arnaldo Batista composto “Balada do Louco” se não houvesse Rita Lee?